Eletricidade sem fio. Entenda o seu funcionamento.
A eletricidade facilita a vida de muitas pessoas. A única desvantagem é a quantidade de fios com que se tem que lidar se houver problemas: se você precisa desligar determinada tomada, pode ter que percorrer uma grande quantidade de fios até encontrar o fio certo.
Por isso, os cientistas tentaram desenvolver métodos de transmissão de energia sem fio, o que facilitaria o processo e lidaria com fontes limpas de energia. A idéia pode soar futurista, mas não é nova. Nicola Tesla propôs teorias de transmissão sem fio de energia no fim dos anos 1800 e começo dos anos 1900. Uma de suas demonstrações energizava remotamente lâmpadas no chão de sua estação de experimentos em Colorado Springs.
O trabalho de Tesla era impressionante, mas não gerou, imediatamente, métodos práticos de transmissão de energia sem fio. Desde então, os pesquisadores desenvolveram diversas técnicas para transferir eletricidade através de longas distâncias, sem utilizar fios. Algumas técnicas só existem em teoria ou protótipos, mas outras já estão em uso. Se você tem uma escova de dentes elétrica (em inglês), por exemplo, você já utilizou esta tecnologia.
Energia diária
A transmissão de energia sem fio é comum em grande parte do mundo. As ondas de rádio são energia e as pessoas as utilizam para enviar e receber sinais de telefone celular, TV, rádio e WiFi todos os dias. As ondas de rádio se espalham em todas as direções até encontrarem antenas sintonizadas na freqüência correta. Um método similar de transferência de energia elétrica seria ineficiente e perigoso.
A exposição diária de uma escova de dentes elétrica à água pode fazer com que seu carregador se torne perigoso. Conexões elétricas comuns poderiam permitir vazamentos de água para dentro da escova, danificando seus componentes. Devido a isso, a maioria das escovas de dentes elétricas é recarregada através de acoplamento indutivo.
O acoplamento indutivo utiliza campos magnéticos que são uma parte natural do fluxo da corrente através de um fio. Toda vez que uma corrente elétrica flui através de um fio, ela cria um campo magnético em volta dele. Enrolar um fio em uma bobina amplifica o campo magnético. Quanto mais voltas ao redor do fio, maior o campo.
Se você colocar uma segunda bobina de fio no campo magnético que você criou, o campo pode induzir uma corrente no fio. Esta é a maneira como um transformador funciona e como uma escova de dentes elétrica é recarregada. São necessários três passos básicos:
- a corrente sai da tomada e vai para uma bobina dentro do carregador, criando um campo magnético. Em um transformador, esta bobina chama-se enrolamento primário;
- quando você coloca a sua escova em um carregador, o campo magnético induz a corrente em outra bobina, ou enrolamento secundário, que se conecta à bateria.
- esta corrente recarrega a bateria.
Você pode utilizar o mesmo princípio para recarregar diversos dispositivos ao mesmo tempo. Por exemplo, o tapete recarregador Splashpower utiliza bobinas para criar um campo magnético. Dispositivos eletrônicos utilizam receptores embutidos ou acoplados para se recarregar enquanto ficam sobre o tapete. Esses receptores contêm bobinas compatíveis e o circuito necessário para carregar as baterias dos dispositivos.
Uma nova teoria utiliza uma configuração semelhante para transmitir eletricidade por longas distâncias. Vamos ver como fazer isso na próxima seção.
Ressonância e energia sem fio
Eletrodomésticos criam campos eletromagnéticos relativamente pequenos. Por essa razão, os recarregadores de energia alojam os dispositivos a uma distância necessária para induzir corrente, o que só acontece se as bobinas estiverem próximas. Um campo maior e mais forte poderia induzir corrente a uma distância maior, mas o processo seria ineficiente. Como um campo magnético se distribui por todas as direções, um grande campo magnético seria um desperdício de energia.Em novembro de 2006, pesquisadores do MIT descobriram uma maneira de transferir energia entre bobinas separadas por alguns metros. O grupo, liderado por Marin Soljacic, chegou à conclusão que é possível aumentar a distância entre as bobinas adicionando ressonância à solução.
Uma boa maneira de entender a ressonância é pensar no som. A estrutura física de um objeto — como o tamanho e o formato de um trompete – determina a freqüência em que ele vibra. Essa é a sua freqüência de ressonância. É fácil fazer com que os objetos vibrem na sua freqüência de ressonância, mas é difícil fazer com que vibrem em outras freqüências. É por isso que, ao tocar um trompete, outro trompete próximo começa a vibrar. Ambos têm a mesma freqüência de ressonância.
Uma pesquisa no MIT descobriu que a indução pode acontecer de maneira diferente se os campos eletromagnéticos em volta das bobinas ressonarem na mesma freqüência. A teoria utiliza uma bobina de fios curva como indutor. Uma placa capacitiva, que armazena a carga, é acoplada em cada terminal da bobina. Quando a eletricidade passa pela bobina, ela começa a ressonar. A sua freqüência de ressonância é um produto da indutância da bobina e da capacitância das placas.
Da mesma forma que uma escova de dentes elétrica, este sistema utiliza duas bobinas. A eletricidade, quando viaja em uma onda eletromagnética, pode criar um túnel de uma bobina para a outra, desde que tenham a mesma freqüência de ressonância. O efeito é similar ao modo como um trompete faz com que o outro que está próximo vibre.
Desde que as bobinas estejam distantes uma da outra, nada vai acontecer, já que os campos em volta delas não são fortes o suficiente. Da mesma forma, se duas bobinas ressonarem em freqüências diferentes, nada vai acontecer também. Mas se duas bobinas ressonantes com a mesma freqüência se aproximam, feixes de energia se movem da bobina transmissora para a bobina receptora. De acordo com a teoria, uma bobina pode até mesmo enviar eletricidade para diversas bobinas receptoras, desde que todas ressonem na mesma freqüência. Os pesquisadores chamaram este processo de transferência não radiativa de energia, já que envolve campos estacionários em volta das bobinas, em vez de campos que se espalham em todas as direções.
O grupo do MIT sugere que este tipo de configuração pode energizar todos os dispositivos em um quarto. Algumas modificações seriam necessárias para enviar energia para longas distâncias.
Energia sem fio de longa distância
Incorporando ou não a ressonância, a indução geralmente envia energia por curtas distâncias. Mas existem planos de criar uma energia elétrica sem fios que pode cobrir uma área de alguns quilômetros. Algumas pesquisas se propõem a enviar energia do espaço para a Terra.
Nos anos 80, o centro de pesquisa em comunicações do Canadá (Canada’s Communications Research Centre) criou um pequeno avião que funciona com energia enviada pela terra. O avião, conhecido como SHARP (Stationary High Altitude Relay Platform – plataforma estacionária de transmissão em grande altitude), foi desenvolvido para se tornar um retransmissor de comunicação. Em vez de voar de um ponto a outro, o SHARP poderia voar em círculos de dois quilômetros de diâmetro em uma altitude de até 21 quilômetros. Ele poderia fazer isso durante meses.
O segredo do SHARP era um grande transmissor microondas que ficava no solo. A rota circular do avião sempre estava dentro da área de alcance do transmissor. Uma grande antena retificadora em forma de disco, localizada atrás das asas do avião, transformava a energia de microondas proveniente do transmissor em eletricidade de corrente contínua (CC). Devido à interação das microondas com a antena retificadora, o SHARP tinha uma fonte de energia constante, desde que estivesse próximo a uma fonte de energia de microondas.
Outros tipos de energia
A NASA também desenvolveu outras fontes de energia de longa distância para aviões. Os cientistas do centro de vôo espacial Marshal (Marshal Space Flight Center) usaram um laser infravermelho invisível para ativar células fotovoltaicas em um pequeno avião. As células fotovoltaicas – essencialmente células solares – convertiam a luz em eletricidade. Um sistema similar poderia também energizar dispositivos que controlavam o cabo de um elevador espacial. Entretanto, sistemas como esse precisam de uma linha de visão direta entre o laser e as células solares.
A antena retificadora é uma peça fundamental em muitas teorias de transmissão de energia sem fio. Elas são formadas por uma série de antenas dipolares, que têm pólos negativos e positivos. Estas antenas se conectam a diodos semicondutores. O que acontece é o seguinte:
- as microondas, que são parte do espectro eletromagnético, alcançam a antena dipolar;
- a antena coleta a energia das microondas e a transmite para os diodos;
- os diodos agem como interruptores que estão fechados ou abertos, permitindo que os elétrons sigam em apenas uma direção. Eles guiam os elétrons para o circuito da antena retificadora;
- o circuito direciona os elétrons (corrente elétrica) para as partes e sistemas que precisam deles.
Outros tipos de transmissão de energia para longas distâncias também necessitam de antena retificadora. David Criswell da Universidade de Houston propôs o uso de microondas para transmitir eletricidade para a Terra a partir de estações de energia solar na Lua. Dezenas de milhares de receptores na Terra capturariam esta energia e as antenas converteriam a energia em eletricidade.
As microondas passam facilmente pela atmosfera e as antenas as transformam em eletricidade de maneira muito eficiente. Além disso, as antenas na Terra poderiam ser construídas em forma de malha, permitindo que o sol e a chuva chegassem ao solo e minimizasse o impacto ambiental. Seria uma forma bastante limpa de conseguir energia. Mas há algumas limitações:
- as estações de energia solar na Lua precisariam ter manutenção e supervisão, ou seja, teriam de existir bases povoadas lá;
- somente uma parte da Terra tem uma linha de visão direta com a Lua num dado instante. Para ter certeza de que o planeta inteiro teria uma fonte de energia constante, uma rede de satélites teria de redirecionar a energia de microondas;
- muitas pessoas resistiriam à idéia de serem constantemente banhadas por energia de microondas vinda do espaço, mesmo que o risco seja relativamente baixo.
Os cientistas já criaram protótipos de aeronaves que funcionam com energia sem fio. Mas aplicações de larga escala, como as estações de energia na Lua, ainda estão num plano teórico. Com o aumento da população e a demanda por energia, as fontes disponíveis na Terra podem acabar. Eventualmente, a energia sem fio pode se tornar uma necessidade, em vez de uma idéia interessante.
Artigos relacionados
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Como funcionam as redes elétricas
Como funciona a energia nuclear
Como funcionam as usinas hidrelétricas
Como funcionam as células solares
Como funcionam os satélites
Como funciona o planeta Terra
Como funcionam as ondas de rádio
Mais links interessantes (em inglês)
PBS: Tesla, o mestre da energia
Universidade da Georgia HyperPhysics
Teatro da eletricidade
MIT – Laboratório de pesquisa de eletrônicos
Fontes
Microsemicondutor americano. “Diodo – Retificador”.
http://www.americanmicrosemi.com/tutorials/semicondutores.htm
Biever, Celeste. “‘Evanescent Coupling’ Could Power Gadgets Wirelessly”. 15/11/2006.
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http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/6129460.stm
Gilbertson, Roger G. “Riding a Beam of Light: NASA’s First Space Elevator Competition Proves Highly Challenging”. Space.com. 24/10/2005.
Grebb, Michael. “Space Geeks Seek Wireless Power”. Wired. 10/20/2005.
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http://news.bbc.co.uk/2/hi/technology/2861987.stm
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NASA. Feixes de energia laser para UAVs.
NASA. O envolvimento de Glenn com os feixes de energia laser – visão geral.
http://powerweb.grc.nasa.gov/pvsee/programs/pvlaser_overview.html
Tesla, Nicola. “The Transmission of Electric Energy Without Wires”. Electric World and Engineer. 1904. Republicado por PBS.
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Tesla, Nicola. “The True Wireless”. The Electrical Experimenter, maio de 1919. Republicado por PBS.
http://www.pbs.org/tesla/res/res_art06.html
The Economist. “Cut the Cables”. 16/11/2006
http://www.economist.com/science/displayStory.cfm?story_id=8167009
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