O Exterminador do Futuro: Como o filme antecipou nossos temores sobre a Inteligência Artificial quatro décadas atrás
Estrelado por Arnold Schwarzenegger, o sucesso de bilheteria de 1984 tornou-se um ícone dos potenciais riscos das máquinas superinteligentes. No entanto, o filme ao mesmo tempo contribui e confunde nossa compreensão sobre o que realmente é a inteligência artificial.
Em um episódio da série “Silicon Valley”, da HBO, o personagem Richard Hendricks (interpretado por Thomas Middleditch) apresenta sua plataforma de aprendizado de máquina, o Pied Piper, a um grupo focal. Durante a explicação, inevitavelmente, um participante faz a ligação com o clássico “O Exterminador do Futuro”, dirigido por James Cameron em 1984.
Desesperado, Hendricks responde: “Não, não, não. Posso garantir que não há nada parecido com a Skynet aqui. O Pied Piper não vai ganhar consciência e tentar dominar o mundo.” Mas a reação vem tarde demais; ele já perdeu a atenção do grupo.
Com sua trama envolvendo robôs assassinos e uma IA rebelde, a Skynet, “O Exterminador do Futuro” se tornou o símbolo de uma inteligência artificial que se volta contra seus criadores. A imagem da caveira cromada do ciborgue T-800 é frequentemente usada para ilustrar artigos sobre IA. O roboticista Ronald Arkin até usou cenas do filme em uma palestra de 2013 intitulada “Como NÃO construir um Exterminador do Futuro”, alertando sobre os riscos potenciais da tecnologia.

O filme “O Exterminador do Futuro” desperta opiniões divergentes. Nick Bostrom, filósofo e autor do livro “Superinteligência” (2014), que ajudou a popularizar o conceito de “IA desalinhada” — uma inteligência artificial potencialmente descompassada com valores humanos —, admite que sua esposa brinca sobre sua relação com o filme e “o exército de robôs”. Por outro lado, Michael Woolridge, pesquisador de IA, dedica um capítulo de seu livro “The Road to Conscious Machines” (em tradução livre, “O Caminho para Máquinas Conscientes”) a criticar a narrativa apocalíptica associada ao filme.
Embora outras produções mais recentes, como “Ex Machina” e “Ela”, abordem a IA de forma plausível, “O Exterminador do Futuro” permanece uma referência dominante quando o assunto são os riscos da tecnologia, mesmo após 40 anos. Como disse o diretor James Cameron ao site The Ringer, o filme talvez seja “mais relevante agora do que quando foi lançado”, já que a IA se tornou uma preocupação real — na época, era apenas uma fantasia.
Apesar de seu legado, “O Exterminador do Futuro” não foca exclusivamente em IA. Antes de tudo, é um thriller intenso sobre um perseguidor incansável, à la Michael Myers, de “Halloween”, onde o T-800 é o predador inabalável caçando uma vítima habilidosa, mas vulnerável. Cameron classificou-o como “um terror de ficção científica”.
Além disso, o filme aborda a viagem no tempo e o conflito entre destino e livre arbítrio. Em resumo, em algum ponto entre 1984 e 2029, os EUA confiaram sua defesa à Skynet, que, ao se tornar autoconsciente, iniciou uma guerra nuclear contra a humanidade. Os humanos restantes, liderados por John Connor, resistem. A Skynet, prestes a ser derrotada em 2029, envia o ciborgue T-800 (Arnold Schwarzenegger) ao ano de 1984 para assassinar Sarah Connor (Linda Hamilton), mãe de John, antes de ela conceber o líder da resistência.
Em resposta, a resistência manda Kyle Reese (Michael Biehn) para salvar Sarah, que acaba engravidando dele em um desses paradoxos temporais. E assim, o ciclo do futuro é garantido.

“O Exterminador do Futuro” é, ao mesmo tempo, um thriller, uma história de amor, uma reflexão sobre o livre-arbítrio com viagens no tempo e uma crítica à nossa dependência da tecnologia. Ele carrega um tom anticorporativo, antiguerra, antiarmas e, em muitos aspectos, antimáquinas.
A tecnologia, de secretárias eletrônicas a walkmans, está sempre presente nas cenas de mortes do filme, mas há pouco foco na inteligência artificial em si.
Apesar de arrecadar US$ 78,4 milhões nas bilheterias, Cameron não esperava que o filme se tornasse um marco cultural. Em 1982, ele escreveu o roteiro enquanto estava em um hotel decadente em Roma, depois de ser demitido de seu primeiro trabalho como diretor, em “Piranha 2: Assassinas Voadoras”. Sua parceira de produção, Gale Ann Hurd, conseguiu levantar um orçamento limitado de apenas US$ 6,4 milhões.
O protagonista, Arnold Schwarzenegger, na época um fisiculturista e ator iniciante, também não tinha expectativas. Ele chegou a dizer a um amigo que estava participando de “um filme de m… que levaria algumas semanas para terminar.”
Cameron acreditava que “O Exterminador do Futuro” seria ofuscado por dois outros épicos de ficção científica lançados no mesmo período: “Duna”, de David Lynch, e “2010 – O Ano em Que Faremos Contato”, uma sequência de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. No entanto, o filme acabou superando ambos em popularidade e criou uma imagem duradoura: a Skynet, que logo ultrapassaria o assassino HAL 9000 de “2001” como a representação máxima da IA rebelde.
O temor de que máquinas pudessem se voltar contra a humanidade é anterior ao próprio campo da IA. Em 1921, a peça “RUR” de Karel Čapek já explorava a ideia, que também foi popularizada no filme “Metrópolis”, de Fritz Lang, em 1927. Segundo Sean French, autor de um livro sobre “O Exterminador do Futuro” para a série Clássicos Modernos do Instituto de Cinema Britânico (BFI), a icônica cena do T-800 saindo das chamas com o esqueleto metálico exposto remete à imagem de um robô em chamas de “Metrópolis”.
Nos anos 1920, ainda era imaginável que robôs fossem seres caminhantes e falantes, à semelhança do monstro de “Frankenstein”. A popularidade dos robôs letais inspirou o escritor Isaac Asimov a criar, em 1942, as “três leis da robótica” — uma primeira tentativa de estabelecer uma ética para a inteligência artificial.
O desenvolvimento formal da IA teve início em 1956, em um curso de verão na Universidade de Dartmouth, liderado por John McCarthy, que cunhou o termo, e Marvin Minsky. Esses pioneiros aspiravam a criar máquinas com capacidade de pensamento humano, mas perceberam que o desafio era muito mais complexo do que previam.
A trajetória da IA é marcada por ciclos de grandes expectativas e decepções, conhecidos como “primaveras” e “invernos” da IA. Esses ciclos atraem atenção, financiamento e talentos, mas a falta de resultados concretos eventualmente leva a um declínio nessas áreas.

O auge da inteligência artificial nos anos 1960, antes que os obstáculos técnicos fossem totalmente compreendidos, é lembrado como a Era de Ouro da IA. Durante esse período, o entusiasmo em torno dos chamados “cérebros eletrônicos” inspirou o diretor Stanley Kubrick e o escritor Arthur C. Clarke, que representaram a IA no icônico HAL 9000 em “2001: Uma Odisseia no Espaço”, de 1968.
O nome HAL (acrônimo em inglês para “Computador Algorítmico Heuristicamente Programado”) foi criado por Marvin Minsky, que atuou como consultor para Kubrick. Os olhos vermelhos do T-800 em “O Exterminador do Futuro” são, sem dúvida, uma referência a HAL — uma visão que Cameron teve desde sua infância ao assistir a “2001”, inspirando-o a seguir a carreira cinematográfica.
Daniel Crevier, historiador de IA, comparou HAL (um computador com falhas de programação) ao Colossus (uma superinteligência que atinge um status semelhante ao de uma divindade) do livro de D.F. Jones, de 1966. No romance, o governo dos EUA entrega sua defesa ao supercomputador Colossus, que logo se torna autoconsciente, alia-se a uma versão soviética e ameaça a humanidade com extinção nuclear caso não se renda a sua nova ordem tecnológica. Essa narrativa do Colossus é um precursor da Skynet.
Fim da narrativa
Nem HAL nem Colossus precisavam de corpos físicos. A grande inovação de Cameron foi unir a ideia de um computador fora de controle (Skynet) com a imagem de um ciborgue assassino (T-800).
O T-800 representa uma IA com uma função específica, capaz de aprender com o ambiente, resolver problemas, realizar tarefas físicas complexas e até imitar vozes, mas sem habilidade para conversas sofisticadas. A Skynet, por sua vez, tem capacidades abrangentes, exceto a mobilidade.
O conceito de Skynet nasceu durante a segunda primavera da IA. Enquanto Cameron trabalhava no roteiro, o cientista da computação Geoffrey Hinton explorava e expandia a pesquisa sobre redes neurais, que busca simular a inteligência artificial a partir de modelos de neurônios do cérebro humano. A Skynet é uma IA construída com redes neurais.
Recentemente laureado com o Prêmio Nobel de Física, Hinton expressou pessimismo quanto ao futuro da IA: “Minha intuição diz que estamos em apuros; este é o verdadeiro ponto final.” Contudo, em 1984, Hinton apreciou “O Exterminador do Futuro” e a forma otimista como a Skynet e as redes neurais foram retratadas.
O nome Skynet também pode ser uma referência ao programa “Guerra nas Estrelas” de Ronald Reagan, que visava criar um escudo antinuclear em torno dos EUA. O nome, por sorte, também anteviu o surgimento da internet — um termo que existia em 1984, mas só se popularizou na década de 1990.
Possivelmente influenciado por nomes de startups promissoras como IntelliCorp, Syntelligence e TeKnowledge, Cameron trocou o nome original da empresa criadora da Skynet, Cyber Dynamics Corporation, para Cyberdyne Systems.
Reassistindo “O Exterminador do Futuro”, é surpreendente perceber que o nome Skynet é mencionado apenas duas vezes. Segundo o personagem Kyle Reese, a Skynet era: “Nova. Poderosa. Conectada a tudo, confiável para operar tudo. Dizem que ganhou consciência… uma nova ordem de inteligência. Viu toda a humanidade como ameaça e decidiu nosso destino em um microssegundo: extermínio.”
O filme limita sua discussão sobre IA a essa ideia. Como Cameron costuma enfatizar, a saga “O Exterminador do Futuro” é essencialmente sobre pessoas, e não sobre máquinas.

A sequência de sucesso “O Exterminador do Futuro 2 – O Julgamento Final”, de 1991, preencheu um pouco a história. Ela surge de outro paradoxo temporal: a unidade central de processamento e o braço direito do Exterminador original sobreviveram à sua destruição, e permitiram que o cientista Miles Bennett Dyson (Joe Morton), da Cyberdyne, desenvolvesse a Skynet.
A missão dos heróis agora não é apenas salvar John Connor, de 10 anos, do ciborgue T-1000 que viaja no tempo, mas destruir a Skynet em seu berço digital.
Em “O Exterminador do Futuro 2”, um ciborgue T-800 na forma de Schwarzenegger é o protetor, em vez de caçador — e, portanto, o portador da seguinte explicação:
“O sistema entra em operação em 4 de agosto de 1997. Decisões humanas são removidas da defesa estratégica. A Skynet começa a aprender, a uma taxa geométrica. Ela se torna autoconsciente às 2h14, horário do leste (nos EUA), em 29 de agosto. Em pânico, eles tentam desligá-la.”
A Skynet revida lançando mísseis nucleares na Rússia, sabendo que o contra-ataque vai devastar os EUA. Três bilhões de pessoas morrem em 24 horas: no Dia do Julgamento Final.
Este é um relato fundamentalmente diferente do de Reese. No primeiro filme, a Skynet interpreta sua programação de forma exagerada, considerando toda a humanidade uma ameaça. No segundo, ela está agindo por interesse próprio. A contradição não incomoda a maioria dos espectadores, mas ilustra uma divergência crucial sobre o risco existencial da IA.
É provável que um leigo imagine a IA desalinhada como rebelde e malévola. Mas especialistas como Nick Bostrom insistem que o perigo real está na programação descuidada.
Pense na vassoura do aprendiz de feiticeiro em Fantasia, da Disney: um dispositivo que segue obedientemente suas instruções a extremos desastrosos.
O segundo tipo de IA não é humano o suficiente, carece de bom senso e julgamento moral. O primeiro é humano demais — egoísta, ressentido, sedento de poder. Ambos poderiam, em teoria, ser genocidas.
“O Exterminador do Futuro”, portanto, tanto ajuda quanto atrapalha nosso entendimento da inteligência artificial: o que significa para uma máquina “pensar”, e como isso pode dar terrivelmente errado.
Muitos pesquisadores de IA se ressentem da obsessão pelo filme “O Exterminador do Futuro” por exagerar o risco existencial da tecnologia em detrimento de perigos mais imediatos, como desemprego em massa, desinformação e armas autônomas.
“Primeiramente, ele faz com que a gente se preocupe com coisas com as quais provavelmente não precisamos nos preocupar”, escreve Michael Woolridge.
“Mas, em segundo lugar, desvia a atenção das questões levantadas pela IA com as quais deveríamos nos preocupar.”
Cameron revelou à revista “Empire” que está planejando um novo filme do “Exterminador do Futuro” que vai descartar toda a bagagem narrativa da franquia, mas manter a ideia central de humanos “impotentes” contra a IA.
Se isso acontecer, será fascinante ver o que o diretor tem a dizer sobre a inteligência artificial, agora que é algo sobre o que conversamos — e nos preocupamos — todos os dias.
Talvez a mensagem mais útil de “O Exterminador do Futuro” para pesquisadores de IA seja a de “destino x livre arbítrio”: as decisões humanas determinam os resultados. Nada é inevitável.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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